sábado, 26 de dezembro de 2015

SUBSTÂNCIA E CONDIMENTO

       Resistimos. A vida não é nada sem tempero.


       Apesar do PT, amanhã há de ser outro dia.

     2015 foi muito, realmente muito difícil. Pelo menos para quem trabalha. Para as sinecuras, não sei. Os amiguinhos do poder. Os bródi. Os bráun. Os gil.

     Para quem trabalha de fato, foi um ano perdido. O governo jogou o país no esgoto, e está difícil de tirar. Mas já disse Silvio Meira: nada resiste ao trabalho. Muita gente trabalha de verdade, e não usa estrelinha no peito. Usa vergonha na cara.

     E pra falar em cara, basta a compra do dia a dia. Essa sim é cara. A inflação da imprensa, de 10% ao ano, perde da inflação da realidade, de 20 a 30% ao mês. Mas é culpa minha, sim, se eu tenho alfavaca no quintal. Manjerona, pimenta, tomilho, parreira, lavanda. Principalmente lavanda, que cura tudo. Com esses condimentos, até um ovo frito vira um banquete. A vida não é nada sem tempero. Coisa de burguês. De elite branca golpista.


     É assim que vamos virando o jogo. Com substância e com tempero. Com a verdade, que vencerá. Nem o Supremo Teatro Federal vai impedir essa vitória.

     Feliz 2016, pessoal. Abraços, sucesso, saúde, tudo de bom. Grana (que não precisa roubar) pra todo mundo. A verdade vem aí.

     O falso se esgota com o tempo. Vira uma barata morta.

     E em breve, não vai ficar nem a casca.

Fernando Lomardo
Ator, dramaturgo, músico e arte-educador




sábado, 19 de dezembro de 2015

VINTE E UM ANOS NO DEGASE

por Isabella Reinert

Vinte e um anos. Da perplexidade inicial pouco restou.

Ao entrar para o Degase, o contato com os adolescentes infratores foi a confirmação da miséria que há muito nos assola. Que espécie de sociedade produz tanto desamparo? Havia entre os profissionais recém-chegados do concurso uma vontade de realizar um bom trabalho, e em alguns casos, de transformar aquele precário estado de coisas. Os primeiros embates, naturalmente, aconteceram entre os trabalhadores remanescentes das instituições que atuavam por anos com uma cultura consolidada no antigo Código de Menores, e os animados concursados inspirados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Como qualquer outro lugar onde há privação de liberdade, o exercício da força e seu abuso são uma constante.

Havia a esperança de que o ECA seria assimilado com o tempo, e naquele momento ele tinha apenas quatro anos. Uma lei muito jovem, que mudava paradigmas, com os desafios de ser implantada, ainda mais em um país onde as leis “pegam” ou não.

Este conflito persiste até hoje, vinte e um anos depois, com algumas mudanças na parte física das unidades, mas quase nada na estrutura do atendimento.

Exatamente agora, dentro do ônibus, indo para um Seminário organizado pelo Degase, vejo pela janela uma ação policial. Estão fortemente armados e conduzem um homem jovem para uma viatura. Inevitável pensar que este tipo de coisa não causa surpresa ou apreensão. Passageiros entram no ônibus, riem ao passar pela roleta e encontrarem um lugar para sentar. É mais um dia igual a tantos. Se as manifestações de violência são frequentes, banalizam-se. Se suportamos até agora, podemos prosseguir, afinal nossa capacidade de acomodação é ilimitada.

Mais viaturas ao longo do caminho, e a possibilidade de algo estar acontecendo inquieta.

A poluição da Baía de Guanabara é extrema, o mau cheiro invade o ar. A corrupção domina as manchetes, e exala o mesmo odor podre. Tudo faz sentido. O que se deduz é terrivelmente coerente.  Os resultados medíocres na recuperação de jovens infratores incomodam aos profissionais que acreditavam em suas ações, não ao Estado que enseja e patrocina a miséria. Os dividendos da pobreza são desejáveis, rendem discursos inflamados, subsídios eternos e um porvir sem cor.

Vinte e um anos. Para mim, tantos. Para nós, tão pouco.

Isabella Reinert Thomé

Dezembro de 2015

Isabella Reinert Thomé é professora, cantora, atriz e perfumista. Concursada pelo Município e pelo Estado do Rio de Janeiro, trabalhahá 21 anos como Professora de Artes Cênicas e de Perfumaria do DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativas, antiga FEBEM).

sábado, 12 de dezembro de 2015

UMA ESTRATÉGIA PARA 2018

por Fernando Lomardo

     Sou francamente a favor do impeachment. Como defendi em meu último artigo, que pode ser acessado no link ali embaixo, o impedimento político de Dilma Roussef é a melhor coisa que pode acontecer para o Brasil atualmente. Mas já houve um momento em que eu defendia o sangramento de Dilma até o fim do mandato. A razão para isso é simples: caso Temer herdasse o trono e fizesse um governo pior (e acreditem, isso é possível, pelo simples fato de estarmos no Brasil), Lula seria uma alternativa para 2018. E não é possível imaginar quadro mais catastrófico do que o retorno ao poder do governante mais corrupto e enganador da história desse país. Já se Dilma continuasse com suas cagadas (como vem continuando) por mais três anos, o PT, na sequência, seria varrido do poder, e adeus Lula e toda a corja. Esse era o meu raciocínio, até algumas semanas atrás.

     No entanto, também não é mais possível continuar com essa... pessoa no poder. Gente, pelo amor de Deus. Onde é que nós estamos? A mulher estoca vento, fala em “mulher-sapiens”, homenageia a mandioca – isso só para falar no que é cômico. Se invertermos a máscara para o lado trágico, aí a gargalhada é interrompida pelo silêncio. A mulher quebrou o país, mentiu para Deus e o mundo, distribuiu grana a dar com o pau para um Congresso fisiológico e quer que a gente pague a conta, sem falar na corrupção – na qual só os cegos e surdos podem imaginar a inocência dessa senhora. E agora, para completar, está preocupada apenas com seu pescoço (aliás, como sempre), enquanto o país se debate entre o zika, a microcefalia, a tragédia de Mariana, o roubo em todas as instâncias (agora já acharam também a Hemobrás e a transposição do São Francisco), a violência urbana, o parcelamento de salários, o adiamento de benefícios trabalhistas... o que mais falta?  É necessário primeiro tirar essa figura de lá, rápido, correndo, pra ontem, e depois pensar em como não permitir que Lula se aproxime nem da presidência de seus sindicatos pelegos, muito menos do Poder Executivo.

     Essa última tarefa seria mais fácil se tivéssemos uma oposição. Não temos. Temos manifestações populares, uma população revoltada e enojada, juristas conscientes como Bicudo e Reale e alguns jornalistas e intelectuais com inteligência suficiente para “fazer as conexões”, como disse Gabeira. Oposição política, atuante no Congresso, não temos. O PSDB é uma piada. Com sua Síndrome de Avestruz, até hoje não disse o que está fazendo lá em Brasília. Zezé Macedo, digo, Marina Silva ainda está “pensando” como a Rede vai se posicionar. Diz a sabedoria popular que “de pensar, morreu um”... bom, deixa pra lá. Quanto ao PSOL, só se preocupa com suas bandeiras de nichos ideológicos – e se o governo acenar com uma secretariazinha qualquer (de preferência ligada às “minorias”), tenho certeza que Wyllys e Alencar vão voando pro Planalto. A gente tá ferrado com essa falta de (o)posição (desculpem o concretismo fácil, não resisti).

     Como então evitar A Volta do Molusco (e não é um filme trash)? Será que basta acreditar que até lá a Lava-Jato e a Zelotes já o terão trancafiado? Ou que o simples escancaramento de toda a merda feita pelo PT fará o eleitor derrotá-lo, como já estamos vendo entre seus aliados Venezuela e Argentina? Será simples assim? Será que teremos essa sorte?

     Quem depende da sorte depende igualmente do azar. Não podemos nos dar esse luxo. Basta um quinto governo do PT para o Brasil virar o Haiti. Assim, é necessário encontrar uma estratégia eleitoral que permita a algum candidato desbancar Lula, caso ele volte com força em 2018 (e acreditem, isso é possível, pelo simples fato de estarmos no Brasil). É preciso, para isso, defrontar-se com Lula no terreno que lhe é fértil: o populismo. Pegando o povo pela emocionalidade. Pois o fiel da balança deverá ser, mais uma vez, as chamadas “classes baixas” – que continuam sendo maioria no país, a despeito do PT viver dizendo que acabou com a miséria. É necessário um discurso que se sintonize com essas camadas.

     O candidato com melhores condições de utilizar esse tipo de estratégia de campanha é Aécio Neves. Por quê? Por ser neto de Tancredo Neves.

     Parte do carisma de Lula está ligada à sua trajetória e ascenção. Um operário que chegou ao poder. O retirante que venceu a selva de pedra. “Vejam, sou ignorante como vocês”, sorria ele, sempre desprezando o estudo formal enquanto recolhia títulos de Doutor Honoris Causa concedidos por instituições interessadas nessa aproximação. É com esse cabedal que ele se lançará em 2018. Não terá mais o Bolsa Família para arrebanhar votos, já que o programa está indo para o saco mais de dois anos antes da eleição. Lula terá que voltar a vender a ilusão do “Paz e Amor” que o elegeu em 2002.

     Aécio, que até agora não soube aproveitar um único milímetro cúbico das enormes crateras políticas abertas pela incompetência do PT, também pode montar uma trajetória emocional. É diferente da de Lula, mas igualmente mobiliza o afeto popular: ele é neto do cara que reunificou o país em nome da democracia.

     A tragicidade da história do presidente que praticamente morreu no dia da posse (sim, na verdade a morte ocorreu várias semanas depois, mas ele adoeceu no dia exato – foi como se tivesse morrido ali) é uma das poucas na história política do país com dimensão suficiente para gerar verdadeiro impacto psicológico no eleitor. Só se compara ao suicídio de Getúlio. O cartunista Chico Caruso, em um de seus momentos mais inspirados, desenhou a face de Tancredo como se fosse um balão de gás, voando suave para a eternidade, enquanto uma criança vestida de verde e amarelo corria aos prantos em busca do brinquedo perdido. Uma das charges mais marcantes do jornalismo brasileiro. Era o retrato perfeito de um país sem chão, perplexo diante de um golpe inesperado. Um país nocauteado.

     Sim, tudo isso se deu há 31 anos (serão 34, em 2018) e será necessário recuperar essa história para parte significativa da população jovem que a desconhece – ou que não a viveu na pele, desconhecendo assim seus arrepios. Mas é uma história e tanto. Poucos políticos ao redor do globo tem nas costas uma história como essa. Claro que ela envolve também aspectos pessoais e uma série de pudores. Mas sou capaz de afirmar que Tancredo gostaria de ter sua memória resgatada como arma política. Ainda mais por um familiar seu. É necessário – e é legítimo.

     Lula se diz o “O filho do Brasil”, como quer o filme financiado com dinheiro público que reconstitui “a vida” do ex-operário. Aécio é “O neto de Tancredo”. Não existe filme sobre ele, nem sobre seu avô. Pode ser um bom momento para reescrever essa história – não na ficção, mas na realidade.



     Abaixo, o link do artigo em que defendo o impeachment:

POR QUÊ O IMPEACHMENT É IMPERATIVO:

http://quatroasas.blogspot.com/2015/12/por-que-o-impeachmente-e-imperativo.html

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

FLYER POE COM LISTA AMIGA



POR QUÊ O IMPEACHMENT É IMPERATIVO

por Fernando Lomardo

     Tenho visto jornalistas e especialistas idôneos e respeitados se referirem ao impeachment como algo “traumático”. Outro dia foi Ricardo Boechat a repetir essa lenga-lenga, em seu programa na rádio Bandeirantes. Apesar dos tempos atuais serem pouco surpreendentes, porque o ser humano é cada vez mais enfadonhamente previsível, ainda me surpreendo ao ver gente experiente manifestar tamanha ingenuidade. O impeachment é simplesmente a melhor coisa que pode acontecer ao Brasil neste momento, e dizer que ele é traumático corresponde a manifestar no mínimo ignorância pela história recente do país.

     O único exemplo concluso no Brasil (digo “concluso” porque a tentativa contra Getúlio não passou da tentativa) foi o impeachment de Fernando Collor de Melo, o “caçador” cassado. Foi tão traumático quanto um refresco gelado sob um sol de 40 graus. Era a vontade popular e era um grito (o primeiro das últimas décadas) contra a corrupção. Além disso, Collor foi um presidente cujo maior e mais memorável feito foi confiscar o dinheiro dos brasileiros. Sua saída foi mais do que justa e necessária, foi revigorante. E a principal consequência do impeachment foi Itamar Franco instaurar o Plano Real, uma das poucas políticas econômicas a trazer benefícios palpáveis à população, em toda a história do país. Esse foi o trauma: a expulsão (infelizmente temporária) de um político corrupto e o controle da inflação antes incontrolável.

     O caso atual guarda certa semelhança com o dos anos 90. Porque Dilma, o PT e seus aliados também vêm confiscando dinheiro dos brasileiros: através da corrupção que desvia recursos públicos, das pedaladas que mascaram contas fraudulentas, da retenção e corrosão de direitos trabalhistas, como o PIS/PASEP (o deste ano foi adiado para 2016), enquanto a inflação grassa e os preços aumentam como no tempo da ditadura. Esse é o ajuste fiscal que a própria imprensa defende: um ajuste que só bota na tarraqueta do trabalhador e do contribuinte. Ninguém explica por quê o Estado ficou sem dinheiro de uma hora para outra – principalmente porque não falta dinheiro para emendas parlamentares e outras formas de suborno para comprar a manutenção do poder e a facilidade para continuar roubando. Quem acredita que o Estado está realmente sem dinheiro pode ficar ao lado da chaminé esperando o Papai Noel.

     Mas os principais motivos do impeachment são mais simples do que isso: existe nele um caráter de LIMPEZA, e existe nele um caráter de PUNIÇÃO.

     A punição é o próprio afastamento, de Dilma e dos íncubos que a cercam, ávidos de suborno. Mesmo que o impedimento não envolva propriamente a corrupção, mas sim as pedaladas, é imperativo afastar o PT do poder o quanto antes. Claro que o indiciamento, condenação e prisão pelo assalto ao dinheiro público (já sabemos todos que a Petrobras é só o começo de um longo novelo) serão, quando vierem, punições mais justas e severas que o mero impedimento. Mas já é o primeiro castigo, enquanto a condenação maior não vem.

      A limpeza reside no fato de que o processo dará início, de forma gradual e inexorável, à corrosão daquilo que corrói o país: o banditismo do PT. Poderá ser talvez apenas a sua substituição pelo banditismo do PMDB – e se for esse o caso, que o processo se reinicie e tenhamos nova cassação, até que pouco a pouco todos os ratos deixem o navio. Isso pode ser classificado com diversos adjetivos: utópico, ingênuo, otimista, crédulo. Pode, sim, ser tudo isso.

     Mas nunca, em hipótese alguma, será traumático.


     Traumático é ver essa gente continuar roubando e mentindo enquanto diz, com a cara mais lavada, que está melhorando o país.

domingo, 8 de novembro de 2015

O ESPAÇO QUE A IMPRENSA DÁ

por Fernando Lomardo

     A imprensa brasileira trabalha, silenciosamente, para reeleger o PT. É a única conclusão possível. É a única explicação viável para o enorme espaço que o partido mais envolvido em corrupção da história da república recebe dos órgãos de imprensa – a mesma imprensa que esse mesmo partido chama de golpista, desde quando o ex-grevista Lula da Silva, na época ocupando o trono de presidente, tentou criar a Agência Nacional de Imprensa (cujo nome remete imediatamente ao Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo de Getúlio), com a função de censurar a imprensa livre e difundir a ideologia do regime – ideologia que, de resto, só deve se aplicar aos eleitores, que vivem de programa social, enquanto o governo e o partido vivem de milhões desviados do dinheiro público.

     Esse grupo político mantém-se no poder com uma considerável ajuda, mesmo com a conivência, de nosso jornalismo político. Uma conivência talvez involuntária, o que a torna mais constrangedora na medida em que vem de profissionais que deviam pautar-se pelo pensamento crítico.

     Há dias atrás, Lula falou em um evento do PT. Como sempre, culpou a elite e a crise internacional (???) pelos problemas do Brasil, e a imprensa pelas investigações em curso, todas inventadas por jornalistas de direita que não gostam de pobres nem de nordestinos, no dizer do ex-grevista. Todas as emissoras de TV foram pródigas em mostrar enormes trechos do pronunciamento do cacique petista. Emissoras de jornalismo da TV paga editaram trechos de 15 a 20 minutos, impingindo a ideologia (???) lulista ao espectador.

     À exceção de alguns colunistas como Fernando Gabeira e Ricardo Noblat (que também reproduz textos de outros inconformados como Mary Zaidan, Elton Simões e Maria Helena Rubinato), ou de um órgão como a revista Veja, a postura da imprensa em relação ao assalto organizado aos cofres do país, aos direitos do cidadão e à VERDADE, à pura e simples verdade, é de uma fleuma irritante. Uma imprensa blasé que se comporta de maneira casualmente neutra, como se todo o banditismo que domina a política nacional pudesse ser “analisado”, decomposto friamente, com olhares de um cientista pretensioso que examina uma água-viva de outro planeta. Parece que a imprensa não tem nada a ver com isso. Parece que o roubo institucional não a alcança, não a altera, não a prejudica. Escudada no falacioso argumento da imparcialidade, a grande imprensa se cala e nos impinge 15 minutos de Lula dizendo o que bem entender, sem que ninguém esboce reação.

     Nunca vi darem esse espaço a outro partido. Nunca vi nenhuma emissora repetir 10, 15, 20 minutos de um encontro, evento, reunião, seja lá o que for, de qualquer outro partido da nação, da mesma maneira como dão espaço ao PT. Parece que Inácio ainda exerce inelutável fascínio sobre os jornalistas brasileiros, que parecem hipnotizados quando se encontram com o “estadista planetário”, segundo o título até hoje inexplicável do Le Monde. Tampouco vejo qualquer órgão da imprensa contestar com determinação os abusos, calúnias e agressões praticados por esse falso migrante. Ele fala o que quer e ninguém contesta. Nenhum jornalista cobra dele: “Prove o que está dizendo”. Só se exige provas da Polícia Federal.

     Em entrevistas recentes, constatamos mais uma vez o assoalho de ovos que parece se alastrar diante da imprensa quando se trata do PT e de seu governo. Miriam Leitão entrevista o ministro José Eduardo Cardozo, Kennedy Alencar entrevista Lula. Em ambos os casos as perguntas são cautelosas, tímidas. Comportadas. Uma postura longe de qualquer combatividade, atitude tão necessária em um momento em que o país agoniza e os responsáveis, cavalgando a hipocrisia, respondem como o editor-fake da extinta revista MAD: “Quem, eu me preocupar”?

     A entrevista de Kennedy Alencar com Lula é de fato exemplar. A começar pelo cenário, um típico painel de fundo de campanha eleitoral: fotos gigantes de Lula em diversas épocas, bradando, sorrindo, diante de uma multidão (quando Kennedy entrevistou Fernando Henrique, em outubro deste ano, o cenário era apenas o mobiliário da sala, sem fotos, sem grandiloquência).

     Cínico, Lula, que sempre desqualificou as investigações do Mensalão e da Lava-Jato, diz que foi nos 12 anos do PT que as instituições se fortaleceram. Que isso não acontecia há 15 anos, evidentemente referindo-se ao governo FHC. Kennedy assentiu. Não lembrou a Lula que, “a quinze anos atrás”, o único pseudo-escândalo que atingiu o governo tucano foi a desmascarada Operação Cayman – uma farsa inventada pelo PT e rapidamente anulada pela Polícia Federal, que comprovou serem falsos todos os documentos. Não lembrou a Lula que a tal “pasta cor-de-rosa, que nunca apareceu”, não apareceu simplesmente porque nunca existiu, como provaram as investigações. Não relembrou ao entrevistado que a corrupção mais devastadora da história do país começou com o Mensalão, no governo Lula, e se agigantou no Petrolão, que envolve tanto o governo do ex-sindicalista quanto o de sua criatura Dilma Roussef. As referências de Kennedy a estes dois escândalos foram breves e superficiais. Lula tentou controlar a imprensa e o STF, vive tentando controlar o Ministério Público e se pudesse, botaria todos os oposicionistas em cana, como bom castrista. Mas afirma que seu governo investigou alguma coisa, e Kennedy assente calado.

     Sabemos que Lula só fala para platéias compradas. O verdadeiro povo não o engole e não o aceita. Ele mesmo já confessou, manhoso e chorão, que não pode ir a restaurantes ou a lugares públicos. Evita o verdadeiro cidadão. Quem ouve seus discursos são apenas papagaios de pirata alugados a preço de banana e alguns grandes empresários que vêm se dando bem com o petê no poder.  Assim, seu discurso mitomaníaco, não sendo veiculado, ficaria lá, restrito aos íncubos, aos cumpanhêro e cumpanhêra idiotizados que balançam bandeirinhas vermelhas. Ficaria restrito a esse público domado – se não fosse o favor da imprensa. Se não fosse a imprensa brasileira oferecer 40 minutos de palanque. Se não fosse a imprensa brasileira, em sua esmagadora maioria, repetir, em todos os seus horários, áudio e vídeo do indigesto palestrante impedido de frequentar restaurantes.


     O próprio Lula admitiu ao final da entrevista (provavelmente em mais um ato falho de quem desconhece armadilhas da linguagem): “Eu estou fazendo política a partir de hoje”. Com um espaço desse tamanho, até eu faria. Com um espaço de 40 minutos de uma emissora de grande audiência, quem não quer? Essa é a nossa “imprensa golpista”. A continuar assim, o PT não precisará mais desviar dinheiro público para financiar campanhas: a imprensa dará o espaço gratuitamente. E continuará posando de “analista” e “especialista”, enquanto o país afunda irreversivelmente.

domingo, 25 de outubro de 2015

A CONFISSÃO DE LULA


                                                                              por Fernando Lomardo

     Foi com certa surpresa e, por quê não, com algum alívio que li, em matéria do jornal O Globo, de 25 de outubro de 2015, a confissão de Lula de que cometeu crimes durante e após seu governo. Claro que foi uma confissão involuntária, o que é comum em pessoas cujo nível de ignorância faz desconhecer as armadilhas da linguagem. Mas ao protestar desesperado contra o instituto da colaboração premiada, recurso legítimo e democrático de colaboração com a Justiça e consequente redenção parcial de criminosos recuperáveis, o ex-torneiro mecânico deixou escapar sua ascendência sobre o conjunto dos denunciados e seu inconformismo em constatar que nem todos colocarão a cabeça na guilhotina para salvá-lo.

     Enfurecido com o caminhar das investigações, que se aproximam lentamente mas (esperamos) de forma inexorável do ex-sindicalista, este tentou desqualificar o instituto da colaboração com uma frase que julga bombástica (com sua limitação verbal, Lula só sabe se comunicar através de frases de efeito totalmente montadas sobre clichês, e aplaudidas apenas pelos desocupados que recebem merrecas para presenciar seus discursos). A frase é: “Delator entrega até a mãe para sair”.

     Opa-opa. Que informação preciosa. Não por seu sentido literal, mas pelo que permite entrever. Em primeiro lugar, evidencia que Lula se considera uma mãe. Mãe de quem? De quem está preso, certamente, já que são estes que estão delatando. Até aí, “pereré pão-duro”, como diz o jargão.

     Mas este não é o principal ato falho do ex-grevista. A maior revelação embutida na frase de Lula é a de que o cara “entrega até a mãe”. Mas o fato de alguém ser entregue não significa que seja inocente. Ao contrário. Só se pode entregar aquilo que se pode provar.

     Delatar a própria mãe (quiçá o irmão) pode ser, para alguns, grave falha moral – como, de resto, o roubo, a corrupção, o desvio de dinheiro público. Porém, é ato perfeitamente legal do ponto de vista jurídico. E o mais importante: a delação de maneira alguma isenta o delatado de culpa. Não é porque foi denunciado que qualquer bandido tem direito a sursis. Além disso, o ódio e a fúria contra a colaboração, a discriminação ao colaborador, o preconceito contra a investigação, apenas levantam mais suspeitas: “ó gajo, se não deves, por quê temes?”, perguntaria o patrício.

     Por quê o ex-candidato derrotado três vezes não disse, por exemplo, que o colaborador “inventa coisas”, ou que “mente”, ou qualquer coisa parecida? Não. Ele disse que o cara entrega – e não se pode entregar o vento, nem estocá-lo, não é verdade? É preciso ter algo para entregar.

     Foi assim, por exemplo, com Pedro Collor, quando denunciou seu irmãozinho naquilo que acabou resultando no impeachment do colecionador de carros de luxo, em 1992. Os indícios e provas estavam dissimulados, camuflados, maquiados, como estão hoje. Mas foram pouco a pouco levantados até surgir a prova cabal.

     Quando será que os colaboradores entregarão o endereço da garagem onde Mamãe guarda seu Fiat Elba?

terça-feira, 20 de outubro de 2015

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELO NO PROGRAMA RODA VIVA

por Fernando Lomardo

     Desnecessária, quase nula, a entrevista do magistrado Marco Aurélio Melo no programa Roda Viva da TV Cultura, nesta 2ª. feira, 19 de outubro de 2015, às 22 h.

     Bendita língua portuguesa. Eu disse quase nula. O advérbio é providencial na medida em que as posições do ministro, se em absolutamente nada colaboram com o Brasil e com o bem estar da população, ao menos ilustram a posição do magistrado frente aos graves problemas do país, e quiçá sirvam de reflexo para compreender seus pares – porque “tomo meus colegas como a mim mesmo” (sic).

     Momentos de singela pureza enterneceram o espectador. Ao dizer que sabe “conviver com divergências”, o ministro citou o Fla-Flu caseiro, em que ele é Flamengo e a esposa (também juíza), Fluminense. Pareceu-me ver margaridas brotando no estúdio da TV Cultura. De fato, é uma divergência análoga à de forças da ordem pública (como a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal do Paraná) lutando contra decisões encomendadas a ministros nomeados por encomenda.

     Não faltaram também momentos de demagogia. Marco Aurélio Melo gosta de falar em nome do povo e dizer que a crise econômica tira o sustento, “o pão da mesa”. Mas recusa-se a ver o emperramento do aparelho jurídico, que envolve morosidade inadmissível da primeira à última instância do Judiciário - e que tal circunstância, em um país que tem milhões (sim, milhões) de processos na justiça, também tira o pão da mesa, pois, na grande maioria desse processos (muitos deles envolvendo precatórios, recurso imoral do Estado cujo objetivo precípuo é o de prejudicar o cidadão), repito, na maioria desses processos o cidadão, dolosamente prejudicado pela iniciativa privada ou pelo poder público, MORRE sem receber a devida reparação, sim, de ordem pecuniária, na maioria dos casos roubada pela iniciativa privada ou pelo poder público. Direitos adquiridos, benefícios oriundos do justo suor, são diuturnamente vilipendiados por governos irresponsáveis e falaciosos, direitos são adiados ad eternum pelo emperramento jurídico de um aparelho obsoleto e prepotente. Nada disso é mencionado pelo magistrado que supõe falar em nome do povo. Da mesma maneira, recusa-se a comentar as falhas de um Código Penal de 1916 e de um Código Civil de 1941, recusa-se a reconhecer que a Defensoria Pùblica é uma falácia e recusa-se a reconhecer o favorecimento à impunidade possibilitado pelos inúmeros recursos de nosso sistema. Compara o Brasil aos Estados Unidos, talvez desconhecendo que a comparação é uma piada. Afinal, se os Estados Unidos têm um número bem maior de serial-killers, por outro lado têm um número infinitamente menor de latrocínios e homicídios culposos, causados por embriaguez no trânsito, por exemplo – e, principalmente, um número vergonhosamente (para o Brasil) menor de homicidas respondendo em liberdade, pelo recurso a fianças ou habeas-corpus.

     Em suma, o magistrado não acrescentou nada que colabore com o andamento proativo da solução dos problemas singulares e possivelmente inéditos que o Brasil vive hoje, aqui fora, longe dos salões e das capas do STF. Além de sua sugestão, que ele mesmo classifica de “utópica”, e que de fato não é mais do que ingênua, de que Dilma, Cunha e Temer renunciem juntos (?!?!?!?!), o magistrado não apresentou um minúsculo rascunho de solução para os problemas do Brasil – vale dizer (antes que alguém me corrija, dizendo que não é função de um juiz do Supremo), nem mesmo para problemas de ordem especificamente jurídica, que são seu objeto de trabalho. Não. O ministro estava preocupado apenas com formalidades judiciosas, como afirmar que Juízes do TRF-4 não são desembargadores. Enfim, preocupado com questões absolutamente irrelevantes para a população brasileira.

     É aqui que o advérbio quase apresenta sua função. A entrevista do ministro do Supremo só não foi completamente nula porque permitiu elucidar alguns pontos da atual conjuntura jurídico-política do país. Permitiu confirmar que o Juiz Federal Sérgio Moro (se compreendermos o sentido inverso das palavras do ministro Marco Aurélio) está definitivamente no caminho certo. Permitiu compreender que Sérgio Moro surpreende, intimida e gera mesmo inveja em outras instâncias do Poder Judiciário. Permitiu entender que, apesar do esforço do ministro Marco Aurélio em defender seus pares, existe mais de um peso e medida para o que ocorre no Supremo.

     O ministro negou veementemente a hipótese de que ministros do Supremo possam retribuir a indicação partidária com favores ao partido. Porém, depois de afirmar que “não se agradece com a capa” (com o incompreensível assentimento de José Nêumanne Pinto, cujas experiência e inteligência já deveriam ter convencido do contrário), ficou sem resposta ao ser interpelado sobre a consulta (irregular, senão ilegal) de Dias Toffoli a Dilma sobre a relatoria de Gilmar Mendes, em processo que corre no TSE.

     Em outro momento, vivas à Freud, cuja presença espiritual o ministro ignorava. Mas “o inconsciente fala”, nos ensina o mestre vienense. Depois de ressaltar, por várias vezes, que “tomo os colegas como a mim mesmo”, (ou seja, sabe que eles têm seriedade idêntica à sua) e que “trabalha pesado” (o que ninguém duvida), o ministro revelou que “não sou locutor de assessor” – ou seja, não fico apenas repetindo o que meus assessores interpretaram para mim. Ocorre que dizer que “não sou locutor de assessor” significa que alguém o é – e como se tratava de comparações com os colegas do STF, esses “locutores” lá estão. Quem serão?


     É, a entrevista foi quase nula.

sábado, 17 de outubro de 2015

PAREM DE DIZER QUE DILMA É HONRADA

Parem de dizer que Dilma é honrada
Fernando Lomardo

     Não são poucos os artigos e editoriais que tenho lido examinando a caótica situação política e moral do país, e a responsabilidade da presidente nesse quadro. Mas uma afirmação recorrente me causa estranheza: a de que Dilma “não enriqueceu pessoalmente”. Atribuem a ela, no máximo, negligência ou incompetência. Nada de intenção na espoliação da Petrobras (que é só o que sabemos, por enquanto; quando estourarem Eletrobras, BNDES e outras, não quero nem ver como vamos dormir). Alguns, como o ex-presidente FHC, fazem questão de afirmar que Dilma é “honrada”, num momento em que as inúmeras mentiras da presidente já se escancaram por todo o planeta e, apesar disso, seu Ministro dos Retalhos não sabe fazer outra coisa além de taxar o contribuinte e tentar cortar mais da Previdência.

     Bem, meu conceito de honra é bem outro. Alguém honrado já teria admitido que mentiu. Alguém honrado já teria compreendido que não é capaz de tocar esse barco e teria pedido o boné. Alguém minimamente honrado não estaria se agarrando ao trono de forma covarde, esperneando desesperado, oferecendo ministérios em troca do próprio pescoço, quando aqueles deveriam ser ocupados por técnicos e especialistas capazes de enfrentar desafios e problemas e encontrar soluções no âmbito da gestão de Estado e não do bolso do contribuinte.

     Dilma está muito longe do que um simples dicionário define como honrado. Com sua empáfia, garantida apenas por cinismo e hipocrisia sem antecedentes, por fidelidade canina à mentira, talvez por mitomania patológica, Dilma disse que “não respeita delator”, porque ela mesma não traiu. Cerveró que o diga. Foi delatado covardemente pela presidente, que afirmou ter assinado a compra de Pasadena mediante relatório do pobre diretor – de resto, outro corrupto – como se ela, presidente do Conselho de Administração, não tivesse a obrigação de ler detalhadamente a porcaria do relatório e identificar ali as falhas, irregularidades, incongruências. Ou seja, Dilma o responsabilizou – em bom português, Dilma culpou o diretor internacional da Petrobras na tentativa de isentar-se da própria culpa. Entregou um colega para tirar o seu da reta. Se isso não é uma delação, digam-me o que é.

     Por favor, jornalistas, “especialistas” e editores, parem de dizer que Dilma é “honrada”. Parem de dizer que Dilma “não enriqueceu pessoalmente”. Como é que vocês sabem? Têm por acaso acesso ao extrato bancário da dona? As contas dela foram devassadas? Seu patrimônio foi levantado? Como podem ter tanta certeza? Por quê essa ansiedade em assegurar a honradez de uma mulher diretamente envolvida na maior operação de desvio de dinheiro público da história política da humanidade?

     Se, do ponto de vista judicial, a dita “presunção da inocência” e as melífluas armadilhas interpretativas sobre fatos “anteriores ao mandato” permitem que a vastidão de evidências contra Dilma permaneça ignorada, do ponto de vista meramente factual o povo já tomou sua decisão. Contra fatos não há argumentos, e os fatos da realidade são diferentes dos fatos jurídicos. Se a justiça (ainda mais essa nossa justiça) continua insistindo na presunção da inocência, a sociedade já protocolou e assinou sua presunção de culpa.

domingo, 4 de outubro de 2015

A DEFESA DO BANDITISMO DISFARÇADA DE CRÍTICA SOCIAL - Fernando Lomardo

    O jornal O Estado de São Paulo publicou, em sua edição de 03 de outubro de 2015, um artigo do sociólogo José de Souza Martins, que pode ser acessado no link abaixo:

     http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-que-se-arrasta,10000000191

     O autor critica a ação preventiva da polícia carioca contra os arrastões nas praias, comparando-a a ações do tempo da Abolição, e justifica o arrastão como manifestação legítima das comunidades "excluídas".

     O texto abaixo é minha resposta a este artigo:

A DEFESA DO BANDITISMO DISFARÇADA DE CRÍTICA SOCIAL
Fernando Lomardo

     “Ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão”. (Ditado popular).

     Parece ser esse, em suma, o “ensinamento” que o sociólogo José de Souza Martins pretende nos transmitir em seu artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 03 de outubro de 2015. Os menores que praticam arrastão nas praias do Rio têm o direito de roubar, pois a sociedade – melhor dizendo, a “elite” – roubou deles o acesso a um lugar ou a um “pertencimento” (conceito acadêmico de bolso, mais ou menos recente e que justifica qualquer distorção em favor de supostos direitos sociais).

     A princípio, o texto pode parecer despeito de paulistano. O simples uso da palavra “periferia” escancara um certo desconhecimento da vida no Rio, já que aqui a favela está geograficamente entranhada em toda a cidade, inclusive na supostamente glamourosa Zona Sul, e a palavra ”periferia” pouco se faz presente no vocabulário carioca.

     Mas não nos enganemos. É muito pouco atribuir as mirabolantes distorções do artigo a uma simples “rivalidade”, responsável por pérolas como “a praia é um faz-de-conta”. Não. Muito pelo contrário, o texto do senhor Martins é bem cuidadosamente articulado através de clichês socio-econômicos cujo objetivo é colocar-se em defesa de supostos excluídos e justificar ações, programas e estudos, na esfera pública e privada, que acabam movimentando milhões em reais, anualmente.

     A opção pelo conceito de “ostentação” para ilustrar o comportamento dos banhistas, ricos ou pobres, mostra o quanto o autor está na moda. Penso mesmo que ele deveria, ao invés de escrever um artigo, compor um funk carioca. Antenado com a atualidade, lança mão de todos os lugares-comuns que o discurso politicamente correto (inclua-se aí mídia, políticos e acadêmicos) tem disparado em sua cruzada contra o “preconceito”.

     A comparação com a Lei de Repressão à Vadiagem é mais frágil que um cubo de gelo largado no sol. Não existia, na época da Abolição, nada remotamente comparável à violência urbana hoje presente nas metrópoles brasileiras (e gradativamente migrando para cidades menores, como resultado da repressão a esses pobres excluídos que são obrigados a roubar e matar). Autores como Nabuco já haviam prevenido sobre o “14 de maio” (o período imediatamente posterior à abolição), antevendo que seria flagrante a falta de opção dos ex-escravos.  Os dois quadros sociais são tão semelhantes entre si quanto uma banana e um computador, assim como as ações neles contidas: a detenção, efetivamente injusta, de um sujeito que não está fazendo absolutamente nada (em 1888) e a ação preventiva contra grupos que efetivamente se preparam para roubar, agredir e, conforme o caso, matar (em 2015, ou 1992, como bem ilustrou o artigo de Mario Vitor Rodrigues publicado no Blog do Noblat).

     Torna-se inevitável citar um pensador irlandês, o que vai jogar mais lenha na fogueira. Afinal de contas, Oscar Wilde era branco, aristocrático e europeu, ou seja, o típico exemplar de uma Elite Colonialista Imperialista Opressora Responsável Pela Desigualdade Social Dos Países Do Terceiro Mundo Secularmente Explorados Pelo Invasor Estrangeiro, de acordo com o Dicionário Nacional de Clichês Acadêmicos. Em contrapartida, era homo-erótico, o que talvez lhe assegure um lugarzinho na última fila dos esquerdistas de botequim.

     A citação é: “Só os superficiais não julgam pelas aparências”. Tradução: as aparências não enganam. Não há grande dificuldade de diferenciar bandidinhos menores de idade de um rapaz comum que está apenas indo para a praia. Bandidinhos andam em grandes bandos, como esclarece a etimologia (bandido = membro de bando), pulam roletas de ônibus ou entram pela janela, ameaçam motoristas, cobradores e passageiros, cantam proibidões em altos brados, propagando crimes como “derrubei o avião” (helicóptero da polícia), “vou meter o três-oitão” (revólver calibre 38), “na favela vai morrer” (o policial ou o cidadão), entre outras ações de óbvia manifestação de ódio, discriminação e violência.

     Não é fato que não possuem sinais de pertencimento. Possuem e muitos, na própria pele. Escarificações à base de canivetes ou cacos de vidro. “Na pele dura mais”, disse um interno de instituição socio-educativa a uma professora. E apontam o pertencimento pelo qual optaram: siglas como CV ou ADA, indicativas de grupos criminosos contados entre os mais perigosos e violentos do mundo.

    À “cerca invisível”, ao “bloqueio simbólico” e outras facilidades retóricas pretensiosas, disfarçadas de análise social, se contrapõem, avassaladores, o assalto, o roubo e a agressão concretos, bem visíveis e reais. Uma facada na barriga não é simbólica. Um cordão arrancado, deixando marcas de sangue no pescoço, não é invisível. Invisível, mesmo secreto, talvez seja o que move esses acadêmicos de boteco a defenderem bandidos.


     Esse tipinho de discurso sustenta uma vertente lucrativa da atuação acadêmica, assim como da política: a defesa das chamadas “políticas afirmativas” e outras ações e iniciativas de “recuperação”, que movimentam milhões de reais em dinheiro público e privado, através de programas de governo e de iniciativas de empresas e do Terceiro Setor. Não sei se o autor do artigo faz parte deste tipo de grupo. Se não faz, talvez esteja louco para entrar.

ARRASTANDO DEMAGOGIA, de Mario Vitor Rodrigues

ARRASTANDO DEMAGOGIA – Mario Vitor Rodrigues
http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2015/09/arrastando-demagogia.html
27/09/2015

     Uma parede humana avança sobre os banhistas; pavor e insegurança. Sem que se saiba de onde, começa uma grande confusão, o pânico toma conta da praia. As pessoas correm em todas as direções, são mulheres, crianças, pessoas desesperadas à procura de um lugar seguro. A violência aumenta quando gangues rivais se encontram. Este grupo cerca um rapaz que cai na areia e é espancado. A poucos metros dali, outro bando avança sobre a quadra de vôlei, os jogadores se afastam e cercam as barracas para proteger mulheres e crianças. Dois policiais, apenas dois, chegam até a areia, eles estão armados mas parecem não saber o que fazer com tanta confusão e correria. Perto dali, um rapaz ignora a chegada dos policiais para roubar. Ele se abaixa, pega uma bolsa de praia e corre. Veja de novo, ele é seguido pelos companheiros de gangue, que impedem a aproximação das pessoas.

Se ainda existiam dúvidas sobre a profundidade alcançada pelas garras do populismo de esquerda entre nós, desde o último fim de semana já não faz mais sentido tê-las. Não após o nível do debate provocado pelos arrastões em Ipanema.

Afirmo sem medo, jamais teria vez em uma sociedade lúcida, para não dizer bem intencionada, a inversão de valores defendida nas abordagens sobre o tema. Uma ladainha já conhecida, neste caso determinada a relativizar furtos e assaltos, que teve como alicerces as falácias de sempre: injustiça social, racismo e violência policial.

Sobre o primeiro ponto, sequer vale a pena estabelecer comparações com países de perfis sócio-econômicos similares ao nosso. Seria dar fôlego aos interessados em se aproveitar do mais puro e simples banditismo para fortalecer discurso ideológico.

Já a premissa de amalgamar pessoas ao bel-prazer, diga-se, utilizando a cor da pele como desculpa, é oriunda da mesma conversa. A partir de então, fica cômodo colar selos no indivíduo e instrumentalizá-lo em benefício próprio. Nem que seja para posar de bom moço em papo de bar, ao julgar e absolver seus crimes.

Quanto aos abusos da polícia, obviamente devem ser observados com atenção pela sociedade, interessa a todos que o rigor da lei também se imponha aos bandidos de farda. Mas nada justifica engolir discurso orquestrado para impor generalizações interesseiras - como por exemplo, de que nem todo favelado seja bandido, mas de que todo policial necessariamente seja violento, fascista e corrupto.

Nesta hipótese, percebam, não resta saída para a polícia. Se decidir esperar pela ação criminosa, falhará duplamente, antes, por ter permitido o delito, e depois, ao usar de força excessiva na hora de deter o bandido. Se, por outro lado, decidir prevenir, como qualquer polícia deve fazer, será acusada de preconceito. Uma armadilha retórica boçal, mas que virou dogma de tão difundida.

Claro que a popularidade deste nocivo raciocínio não foi alcançada da noite para o dia. Muito pelo contrário, representa uma construção iniciada há décadas, tanto nas escolas, como nas faculdades, via jornalistas e formadores de opinião. Graças a ela, noves fora a já fossilizada culpa católica, o brasileiro emburreceu a ponto de aceitar com normalidade a carapuça de carrasco. Até mesmo em casos assim, quando claramente é a vítima.

Antes de regurgitarmos ideias falidas, seria mais sensato lembrar os milhões de “pretos e favelados”, como gostam de dizer os arautos da superioridade moral, que certamente não têm vida fácil, mas saem de casa todo dia para trabalhar honestamente, e não para se divertir saqueando, impondo o terror e agredindo quem encontrarem pela frente.

em tempo: Ainda ontem, o adolescente flagrado durante o arrastão declarou ao O Globo que roubou “por prazer”. Torço para que sua declaração sirva pra intimidar um pouco quem, consciente ou inconscientemente, ajuda a subverter um mínimo de bom senso que ainda deveria nos restar.

Fulanos assim, que saem de casa para roubar e agredir, que superlotam ônibus e comportam-se de maneira ameaçadora, devem, sim, ser detidos pela polícia. O que não pode, é um comportamento claramente anormal, de afronta, ser contemplado candidamente como se nada fosse, quando todos sabemos muito bem do que se trata.


O que, aliás, o trecho em destaque no início deste artigo - transcrito de uma reportagem veiculada no Jornal Nacional, sobre um arrastão na mesma Ipanema há 23 anos -, deixa muito claro.


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

TÁ PENSANDO QUE EU SOU POLÍTICO?

     TÁ PENSANDO QUE EU SOU POLÍTICO?


     O Palhaço sempre foi visto como o inverso do homem social. Avesso à seriedade e ao compromisso, tem muito de atrapalhado e algo de preguiçoso. Representa o deboche e o escárnio, mas também a pureza e a ingenuidade. Por estes atributos, é sempre vilipendiado por alguém mais esperto; geralmente é enganado, espoliado, lesado, e ainda apanha e leva uns tombos. Tudo de ruim acontece com o Palhaço. Mas ele sempre segue em frente recuperando o bem estar e a alegria, a esperança de dias melhores e a fé na humanidade. Como um desenho animado, o Palhaço nunca se machuca.

     Daí ser o Palhaço o símbolo do homem lesado, por sua ingenuidade. Muitas vezes, por sua burrice. Ao se ver em uma situação de iminente ou rematado prejuízo, o homem comum protesta: “Tá pensando que eu sou palhaço”? Só o palhaço pode ser lesado impunemente. O palhaço pode ser sacaneado à vontade, ele nunca vai reclamar. Mas permanece inalterada sua envergadura moral, sua honestidade, sua solidariedade, sua dedicação ao outro.

     Por outro lado, o Político, ao menos no Brasil, já ultrapassou o âmbito do mero substantivo para se tornar um sinônimo: sinônimo de desonestidade, de dissimulação, de falta de caráter, de covardia. O Político banalizou o furto, a apropriação indébita, o roubo. O homem comum constata: “todo mundo que chega “lá em cima” (metáfora para o poder e a plena liberdade de praticar atos ilícitos) rouba; você não roubaria também”? Pronto. O roubo está banalizado, na preguiçosa e subserviente ótica da população brasileira. Roubar é lícito, desde que seja por um político, pois políticos podem tudo, escondidos em sua capa de legitimidade supostamente garantida pelo voto de um povo que respeita o ladrão institucional.

     Você prefere ser Palhaço ou Político? Não tenho dúvidas de que 90% da população brasileira preferirá o Político. Não trabalha, recebe salários milionários, se aposenta com oito anos, tem tudo de graça (apartamento, carro, terno, passagem de avião, talvez não pague nem pelo palito de dente), pode aumentar o próprio salário (é a única categoria do mundo que pode fazer isso) e, principalmente, pode roubar à vontade. Já o Palhaço não ganha porra nenhuma (a menos que seja do Cirque du Soleil, mas aí já é outro palhaço, fashion-cult-pós-hightech), leva porrada, não se aposenta nunca (vejam só o Carequinha, ou o Arrelia, que trabalharam até o fim da vida) e é, sobretudo, incorruptível.


     Por estes aspectos, não faz sentido que alguém, envolvido inadvertidamente em algum tipo de falcatrua, proteste: “Tá pensando que eu sou Palhaço”? Faz mais sentido que ele diga “Tá pensando que eu sou Político”?, pois este é o seu terreno: o terreno da enganação, do vilipêndio, do “dar uma volta”, “dar um chapéu”, “levar na conversa”, “passar um cheque sem fundos”, é o terreno do Político. Deixa o Palhaço em paz. É atribuição do Político (já que lidam uns com os outros) enrolar e ser enrolado, enganar e ser enganado, mentir e corromper. Sim, eu sei que o Palhaço é aquele que é enganado; e o Político é aquele que engana. Por isso, faz sentido perguntar “Tá pensando que eu sou Palhaço”? Mas proponho essa inversão pela necessidade da circunscrição de territórios. Se a mentira e a enganação são o ofício do Político, deixemo-lo responsável por ele, como agente ativo ou passivo. Se o Palhaço é antes de tudo honesto, deixemo-lo em seu território, longe dos perigos devastadores representados por uma eleição. E a cada vez que você se vir envolvido, direta ou indiretamente, em qualquer situação que caracterize mentira, hipocrisia, enganação, vilania, falta de caráter, falta de coragem, pusilanimidade, encha os pulmões e pergunte com todas as letras “TÁ PENSANDO QUE EU SOU POLÍTICO”?


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Anos de chumbo e concreto

Anos de chumbo e concreto
Pedro Henrique Pedreira Campos

     Foi durante a ditadura que as grandes empreiteiras consolidaram seu poder, em íntimas ligações com o Estado

     1/6/2015 


     A Operação Lava Jato, deflagrada em 2014 em ação conjunta da Polícia Federal e do Ministério Público, colocou atrás das grades dirigentes executivos das maiores empresas brasileiras de engenharia. As investigações revelaram que as empreiteiras se organizavam na forma de cartel e mantinham esquemas de corrupção em contratos com a Petrobras. Mas este tipo de relação promíscua entre empresários e órgãos públicos não é exatamente uma novidade. O poder e a influência política dos empreiteiros de grandes obras devem muito ao período da ditadura civil-militar.

     As principais empresas do ramo foram fundadas entre as décadas de 1930 e 1950, momento em que o eixo do desenvolvimento econômico brasileiro se deslocava do campo para as cidades. Para dar conta desse processo, foi montada uma infraestrutura voltada ao desenvolvimento da indústria, com empreendimentos principalmente nas áreas de energia e de transporte. O Estado demandou grandes obras para as corporações de engenharia, ajudando a impulsionar o desenvolvimento industrial. Camargo Corrêa (1939), Andrade Gutierrez (1948), Queiroz Galvão (1953), Mendes Junior (1953)... como o nome da maior parte dessas empresas indica, elas tiveram em sua origem (e têm até hoje) o controle eminentemente familiar.

     O governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi muito importante para o desenvolvimento das empreiteiras, encomendando-lhes as rodovias previstas no Plano de Metas e as obras da nova capital federal, Brasília. As corporações do setor tiveram então um crescimento impressionante. De pequenas e médias empresas locais tornaram-se grandes firmas nacionais. Nos anos e nas décadas seguintes, sob a ditadura, as construtoras alcançaram uma expansão sem precedentes, em virtude de políticas estatais favoráveis às atividades do setor, incluindo um intenso programa de obras públicas. Formaram-se grandes grupos na indústria de construção pesada. Com incentivo estatal, as empresas se ramificaram para outros setores econômicos, e desde 1968 passaram a realizar obras também em diversos países. Foi a ditadura a responsável pela gestação de grandes conglomerados internacionais liderados pelas empreiteiras. E o poder conquistado por esses grupos consolidou-se de tal forma que não foi abalado nem com a transição do regime político, na década de 1980.

     Ainda no período Kubitschek, os empresários da construção passaram a se organizar em associações e sindicatos nacionais. Foram criadas entidades como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e o Sindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicon) – que desempenhariam papel relevante na desestabilização do governo João Goulart e na deflagração do golpe civil-militar. Diretores dessas entidades participavam também do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), que reunia oficiais da Escola Superior de Guerra (ESG) e representantes de empresas multinacionais e assumiria ativamente a campanha para derrubar João Goulart. Caso emblemático foi o de Haroldo Poland, presidente da empreiteira carioca Metropolitana, ex-presidente do Sinicon e que desempenhava função fundamental dentro do Ipes. Ligado a oficiais militares, Poland foi um dos agentes civis mais importantes no golpe de 1964.

     Ao longo da ditadura, esses organismos fortaleceram sua atuação junto ao Estado, conquistando livre trânsito em certas agências e influenciando a agenda das políticas públicas nacionais. Enquanto as organizações populares e os sindicatos dos trabalhadores eram cerceados e suas lideranças perseguidas, não havia o mesmo tipo de repressão às organizações representativas das empresas da construção civil, que se multiplicavam e tinham intensa proximidade com certas figuras do governo. A Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) foram fechadas pela ditadura, enquanto continuavam sendo criadas entidades de empresários da engenharia, como a Associação Brasileira de Engenharia Industrial (1964), o Sindicato da Construção Pesada de São Paulo (1968) e a Associação de Empreiteiros do Estado do Rio de Janeiro (em 1975).

     A política de repressão e terrorismo de Estado contou com o apoio, inclusive financeiro, de empresários e empreiteiros. A Camargo Corrêa foi uma das empresas que contribuíram com iniciativas para desbaratar a esquerda armada e suas organizações, usando métodos que incluíam tortura e assassinatos. A mais conhecida foi a chamada Operação Bandeirantes, financiada por empresas como grupo Ultra, Camargo Corrêa, Folha de S. Paulo, Nestlé, General Electric, Mercedes-Benz e Siemens.

     Grandiosos empreendimentos foram realizados durante o regime, fortalecendo as maiores construtoras, que ficaram responsáveis pelas principais obras do período. Itaipu e outras hidrelétricas de grande porte, a Transamazônica e outras rodovias em diversas regiões do país, a Ferrovia do Aço e projetos no setor ferroviário, os metrôs do Rio e de São Paulo, os conjuntos habitacionais do Banco Nacional de Habitação (BNH, criado em 1964), as usinas termonucleares de Angra dos Reis e a ponte Rio-Niterói foram alguns dos projetos de grande envergadura que saíram do papel naquele período.

     Com o suporte institucional do AI-5, em 1969 o governo estabeleceu reserva de mercado para as obras públicas realizadas no Brasil: a partir de então, somente companhias sediadas no país e com controle nacional poderiam ser contratadas. Várias outras medidas beneficiaram o empresariado, como isenções fiscais, financiamento público de obras internas e no exterior, entre outras decisões que ampliavam as margens de lucro da iniciativa privada. Em relação às políticas trabalhistas, também houve favorecimento generalizado aos empresários, e aos empreiteiros em particular. Medidas de “arrocho” salarial implantadas a partir do golpe beneficiavam companhias que empregavam numerosa força de trabalho, caso das empreiteiras. A repressão aos sindicatos permitia que as empresas ignorassem as demandas dos operários por melhores condições de trabalho. Com fiscalização relapsa em relação à segurança, o país virou recordista internacional em acidentes de trabalho – no auge da ditadura, chegou-se a registrar 5 mil trabalhadores mortos por ano, e o setor de construção civil era um dos principais responsáveis por essas estatísticas.

     Para as empresas de engenharia era rentável manter condições inadequadas e perigosas nas obras e não dar atenção à saúde do funcionário, visto que as multas – quando aplicadas – eram de reduzido valor. Quando ocorriam acidentes, era prática corrente culpar o próprio trabalhador, isentando o empregador da sua responsabilidade. Não à toa, ao final do regime, em meio ao processo de abertura política, eclodiram diversas greves, revoltas e motins em canteiros de obras, inclusive em grandes empreendimentos como a usina de Tucuruí, erguida entre 1976 e 1984 em plena selva amazônica.

     Sob as bênçãos da ditadura, o Brasil viu consolidar-se um capital de novo porte, monopolista em alguns setores da economia – e entre estes destacou-se a construção civil. Alguns poucos grupos chegaram a um patamar diferente, extremamente vigoroso, detendo amplo poder econômico e político. As principais empresas beneficiadas foram Odebrecht (Norberto Odebrecht), Camargo Corrêa (Sebastião Camargo), Andrade Gutierrez (Sérgio Andrade) e Mendes Júnior (Murillo Mendes). Dentre os agentes políticos da ditadura associados aos empreiteiros, destacam-se Mario Andreazza (ministro dos Transportes de 1967 a 1974 e do Interior de 1979 a 1985), Eliseu Resende (diretor do Departamento Nacional de Estradas de      Rodagem [DNER] e ministro dos Transportes de 1979 e 1982) e Delfim Netto (ministro da Fazenda de 1967 a 1974). O cenário forjado nos anos 1960 e 1970 foi altamente favorável ao crescimento das atividades dessas empresas, em ambiente propício para a acumulação de capital. A participação ativa que esses e outros empresários tiveram junto ao governo é mais uma prova de que o regime não foi somente militar, mas também civil, com corporações e Estado de mãos dadas em esquemas de favorecimento mútuo. Um casamento que, tudo indica, resistiu incólume à mudança de regime, e persiste em tempos democráticos.

Pedro Henrique Pedreira Campos é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor de Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar brasileira, 1964-1988 (Eduff, 2014).

     Saiba mais

     CRUZ, Sebastião Velasco. Empresariado e Estado na Transição Brasileira: um estudo sobre a economia política do autoritarismo (1974-1977). Campinas/São Paulo: EdUnicamp/ Fapesp, 1995.

     DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.

     FONTES, Virgínia & MENDONÇA, Sonia Regina de. História do Brasil Recente: 1964-1992. 4. ed. atualizada. São Paulo: Ática, 1996 [1988].

     LEMOS, Renato. “Contrarrevolução, ditadura e democracia no Brasil”. In: SILVA, Carla Luciana; CALIL, Gilberto Grassi & SILVA, Marco Antônio Both da (orgs.). Ditaduras e Democracias: estudos sobre hegemonia, poder e regimes políticos no Brasil (1945-2014). Porto Alegre: FCM, 2014.

     Filme


     Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009)