TÁ PENSANDO QUE EU SOU POLÍTICO?
O Palhaço sempre foi visto como o inverso do homem social. Avesso à
seriedade e ao compromisso, tem muito de atrapalhado e algo de preguiçoso.
Representa o deboche e o escárnio, mas também a pureza e a ingenuidade. Por
estes atributos, é sempre vilipendiado por alguém mais esperto; geralmente é
enganado, espoliado, lesado, e ainda apanha e leva uns tombos. Tudo de ruim
acontece com o Palhaço. Mas ele sempre segue em frente recuperando o bem estar
e a alegria, a esperança de dias melhores e a fé na humanidade. Como um desenho
animado, o Palhaço nunca se machuca.
Daí ser o Palhaço o símbolo do homem lesado, por sua ingenuidade. Muitas
vezes, por sua burrice. Ao se ver em uma situação de iminente ou rematado
prejuízo, o homem comum protesta: “Tá pensando que eu sou palhaço”? Só o
palhaço pode ser lesado impunemente. O palhaço pode ser sacaneado à vontade,
ele nunca vai reclamar. Mas permanece inalterada sua envergadura moral, sua
honestidade, sua solidariedade, sua dedicação ao outro.
Por outro lado, o Político, ao menos no Brasil, já ultrapassou o âmbito
do mero substantivo para se tornar um sinônimo: sinônimo de desonestidade, de
dissimulação, de falta de caráter, de covardia. O Político banalizou o furto, a
apropriação indébita, o roubo. O homem comum constata: “todo mundo que chega
“lá em cima” (metáfora para o poder e a plena liberdade de praticar atos
ilícitos) rouba; você não roubaria também”? Pronto. O roubo está banalizado, na
preguiçosa e subserviente ótica da população brasileira. Roubar é lícito, desde
que seja por um político, pois políticos podem tudo, escondidos em sua capa de
legitimidade supostamente garantida pelo voto de um povo que respeita o ladrão
institucional.
Você prefere ser Palhaço ou Político? Não tenho dúvidas de que 90% da
população brasileira preferirá o Político. Não trabalha, recebe salários
milionários, se aposenta com oito anos, tem tudo de graça (apartamento, carro,
terno, passagem de avião, talvez não pague nem pelo palito de dente), pode
aumentar o próprio salário (é a única categoria do mundo que pode fazer isso)
e, principalmente, pode roubar à vontade. Já o Palhaço não ganha porra nenhuma (a
menos que seja do Cirque du Soleil, mas aí já é outro palhaço, fashion-cult-pós-hightech), leva
porrada, não se aposenta nunca (vejam só o Carequinha, ou o Arrelia, que
trabalharam até o fim da vida) e é, sobretudo, incorruptível.
Por estes aspectos, não faz sentido que alguém, envolvido
inadvertidamente em algum tipo de falcatrua, proteste: “Tá pensando que eu sou
Palhaço”? Faz mais sentido que ele diga “Tá pensando que eu sou Político”?,
pois este é o seu terreno: o terreno da enganação, do vilipêndio, do “dar uma
volta”, “dar um chapéu”, “levar na conversa”, “passar um cheque sem fundos”, é
o terreno do Político. Deixa o Palhaço em paz. É atribuição do Político (já que
lidam uns com os outros) enrolar e ser enrolado, enganar e ser enganado, mentir
e corromper. Sim, eu sei que o Palhaço é aquele
que é enganado; e o Político é aquele
que engana. Por isso, faz sentido perguntar “Tá pensando que eu sou Palhaço”?
Mas proponho essa inversão pela necessidade da circunscrição de territórios. Se
a mentira e a enganação são o ofício do Político, deixemo-lo responsável por
ele, como agente ativo ou passivo. Se o Palhaço é antes de tudo honesto,
deixemo-lo em seu território, longe dos perigos devastadores representados por
uma eleição. E a cada vez que você se vir envolvido, direta ou indiretamente,
em qualquer situação que caracterize mentira, hipocrisia, enganação, vilania,
falta de caráter, falta de coragem, pusilanimidade, encha os pulmões e pergunte
com todas as letras “TÁ PENSANDO QUE EU SOU POLÍTICO”?