terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

VIRIATO CORRÊA E A IGNORÂNCIA DO LULOPETISMO

por Fernando Lomardo

     Sou fã de Viriato Corrêa. Sempre o achei um escritor pouco valorizado nesse nosso Brasil sem memória. Seu livro Cazuza, de 1938, delicioso romance didático injustamente esquecido, foi um dos livros de minha infância, e da de meus filhos, para quem eu fazia questão de ler – e eles adoravam. Além dos personagens cativantes e da força narrativa de Viriato, seu conteúdo social é espantosamente moderno. Quase todas as noções de cidadania e direitos humanos tão em voga hoje em dia estão ali, dramatizadas em histórias emocionantes: a valorização do negro; a importância da Educação; os direitos dos animais; o respeito à Natureza; a horizontalidade dos direitos humanos, entre outros.

     No que toca a Educação, um capítulo em especial era de minha preferência. O personagem adolescente Macário (nada a ver com o homônimo de Álvares de Azevedo, espécie de Fausto brasileiro) não frequenta a escola, na qual seu pai não vê função. A diretora do estabelecimento, personalidade serena e tolerante, insiste que o menino seja matriculado, ao que o pai responde em sua altivez analfabeta: “eu, meu pai, meu avô, nunca aprendemos a ler; meu pai viveu 80 anos; meu avô, 85. Eu já tenho 50; aprender a ler, para quê?” A diretora acredita no valor da Educação: “o ignorante, por mais esperto que seja, nunca faz nada direito”. Em vão.

     Certo dia, um fabricante de sandálias entregou um lote para que Macário as vendesse de porta em porta. E explicou direitinho: “Cada par custa dez; mas, se a freguesa regatear, deixe por menos”. Saiu Macário com as sandálias. Passa em frente à casa da diretora, reunida com a família na varanda, tomando a “fresca” da tarde. A irmã mais nova se interessa pelas sandálias: “Bonitas! Quanto custa o par”? E Macário: “Custam dez, mas se a freguesa regatear, deixo por menos”! Explode a gargalhada na roda. A diretora da escola arremata: “Não adianta. O ignorante, por mais esperto que seja, nunca faz nada direito”.

     Certo episódio do cotidiano político brasileiro é exemplarmente ilustrado por este capítulo. Recentemente Lulinha (filho do “filho do Brasil”), que estava calado até agora, apesar de seu nome ser citado em inúmeros eventos suspeitos, resolveu abrir a boca, e não poderia ser de forma mais desastrosa: ameaçou “mandar tocar fogo no Brasil”, caso “pa-pai” fosse ”pre-preso”. Parece não se dar conta da quantidade de confissões involuntárias que praticou numa frase tão curta.

     Em primeiro lugar, admite e reforça a tática de apelar para a bravata de cunho violento à menor contrariedade, tática (se é que merece esse nome) que caracteriza o PT e todos os que o cercam, a exemplo de Stedile e seu suposto “exército nas ruas”, a exemplo de Vagner da CUT e seu suposto “pegar em armas, entrincheirados”, à semelhança de Marcelo Odebrecht e seu suposto “acabou o Estado”, ao ser preso por seus crimes. É a percepção de que os mecanismos constitucionais estão fora de seu alcance e só resta esbravejar e ameaçar o adversário com paus e pedras. Não passa de bravata, mas é uma atitude sintomática: denota a histeria e o desespero que acometem petistas em geral, ante a ruína dos planos da quadrilha.

     Em segundo lugar, Lulinha admite a possibilidade da prisão do pai – pois quem diria “se meu pai for preso”, caso não estivesse em pânico? E por quê o pânico, se não houvesse ciência da culpa? Afinal de contas, até agora, nem Procuradoria nem Polícia Federal acenaram sequer remotamente com a prisão de Lula – o que inclusive, para alguns comentaristas, caracteriza certo favorecimento. Há no máximo alguns inquéritos em andamento – e, nas reações da população, uns bonequinhos de presidiário. Nada que preocupe “o homem mais honesto do Brasil”, ao contrário do “homem mais bonito do Brasil”, que já está em cana faz tempo. A fala de Lulinha tem cara de confissão.

     Em terceiro lugar, denota a tendência petista à “terceirização”, vale dizer, ao capanguismo, onde ninguém é responsável por nada, foi sempre “o outro” que fez. Genoíno não fez nada, foi Delúbio. Lula não fez nada, foi Dilma. Lulinha não disse que ia “tocar fogo” no Brasil – disse que ia “mandar tocar fogo no Brasil”. Como em antiga paródia do Casseta e Planeta, existe “gente que faz” e “gente que manda fazer”. Esse é o caso do PT – nunca faz nada. Só manda o capanga fazer.

     Em quarto lugar, e talvez mais importante que tudo, escancara o absoluto desprezo, desinteresse e desrespeito do lulopetismo pelo Brasil. Como sempre foi evidente pelo comportamento petista, apesar do seu discurso pelo povo e outras cascatas, o Brasil não importa. Pode pegar fogo. Ou descer ao mar com a lama da Samarco. O Brasil não importa. Só importa o PT. Só importa o butim da pirataria. Só importa meter a mão no doce quando ninguém está olhando e sair correndo enquanto ninguém percebe. O Brasil pode pegar fogo que Lulinha não está nem aí.

     Por fim, a bravata revela ainda um humorismo involuntário: quando defende seu garoto com os argumentos mais estapafúrdios, Lula faz de Lulinha um autêntico “filhinho de papai”, inocente e inalcançável. Ao tomar atitude idêntica, Lulinha faz de Lula um autêntico “papai de filhinho”.
  
     Tudo isso é revelado pela fala do menino que tem “tino para os negócios”.


 Já abordei, em um artigo intitulado “A confissão de Lula” (http://quatroasas.blogspot.com/2015/10/a-confissao-de-lula.html), o quanto o desconhecimento da linguagem, por falta de estudo mesmo, nos faz cair em armadilhas retóricas, pois o cara não se dá conta do que está falando. É o caso mais uma vez. É, de novo, a atualidade de Viriato Corrêa: “o ignorante, por mais esperto que seja, nunca faz nada direito”.