por Fernando Lomardo
Sou fã de Viriato Corrêa. Sempre o achei
um escritor pouco valorizado nesse nosso Brasil sem memória. Seu livro Cazuza, de 1938, delicioso romance didático
injustamente esquecido, foi um dos livros de minha infância, e da de meus
filhos, para quem eu fazia questão de ler – e eles adoravam. Além dos
personagens cativantes e da força narrativa de Viriato, seu conteúdo social é espantosamente
moderno. Quase todas as noções de cidadania e direitos humanos tão em voga hoje
em dia estão ali, dramatizadas em histórias emocionantes: a valorização do
negro; a importância da Educação; os direitos dos animais; o respeito à
Natureza; a horizontalidade dos direitos humanos, entre outros.
No que toca a Educação, um capítulo em
especial era de minha preferência. O personagem adolescente Macário (nada a ver
com o homônimo de Álvares de Azevedo, espécie de Fausto brasileiro) não
frequenta a escola, na qual seu pai não vê função. A diretora do
estabelecimento, personalidade serena e tolerante, insiste que o menino seja matriculado,
ao que o pai responde em sua altivez analfabeta: “eu, meu pai, meu avô, nunca aprendemos a ler; meu pai viveu 80 anos;
meu avô, 85. Eu já tenho 50; aprender a ler, para quê?” A diretora acredita
no valor da Educação: “o ignorante, por
mais esperto que seja, nunca faz nada direito”. Em vão.
Certo dia, um fabricante de sandálias
entregou um lote para que Macário as vendesse de porta em porta. E explicou
direitinho: “Cada par custa dez; mas, se
a freguesa regatear, deixe por menos”. Saiu Macário com as sandálias. Passa
em frente à casa da diretora, reunida com a família na varanda, tomando a
“fresca” da tarde. A irmã mais nova se interessa pelas sandálias: “Bonitas! Quanto custa o par”? E
Macário: “Custam dez, mas se a freguesa
regatear, deixo por menos”! Explode a gargalhada na roda. A diretora da
escola arremata: “Não adianta. O
ignorante, por mais esperto que seja, nunca faz nada direito”.
Certo episódio do cotidiano político
brasileiro é exemplarmente ilustrado por este capítulo. Recentemente Lulinha (filho
do “filho do Brasil”), que estava calado até agora, apesar de seu nome ser
citado em inúmeros eventos suspeitos, resolveu abrir a boca, e não poderia ser de
forma mais desastrosa: ameaçou “mandar tocar fogo no Brasil”, caso “pa-pai” fosse
”pre-preso”. Parece não se dar conta da quantidade de confissões involuntárias
que praticou numa frase tão curta.
Em primeiro lugar, admite e reforça a
tática de apelar para a bravata de cunho violento à menor contrariedade, tática
(se é que merece esse nome) que caracteriza o PT e todos os que o cercam, a
exemplo de Stedile e seu suposto “exército nas ruas”, a exemplo de Vagner da
CUT e seu suposto “pegar em armas, entrincheirados”, à semelhança de Marcelo
Odebrecht e seu suposto “acabou o Estado”, ao ser preso por seus crimes. É a
percepção de que os mecanismos constitucionais estão fora de seu alcance e só
resta esbravejar e ameaçar o adversário com paus e pedras. Não passa de
bravata, mas é uma atitude sintomática: denota a histeria e o desespero que
acometem petistas em geral, ante a ruína dos planos da quadrilha.
Em segundo lugar, Lulinha admite a
possibilidade da prisão do pai – pois quem diria “se meu pai for preso”, caso
não estivesse em pânico? E por quê o pânico, se não houvesse ciência da culpa?
Afinal de contas, até agora, nem Procuradoria nem Polícia Federal acenaram sequer
remotamente com a prisão de Lula – o que inclusive, para alguns comentaristas,
caracteriza certo favorecimento. Há no máximo alguns inquéritos em andamento –
e, nas reações da população, uns bonequinhos de presidiário. Nada que preocupe
“o homem mais honesto do Brasil”, ao contrário do “homem mais bonito do
Brasil”, que já está em cana faz tempo. A fala de Lulinha tem cara de
confissão.
Em terceiro lugar, denota a tendência petista
à “terceirização”, vale dizer, ao capanguismo, onde ninguém é responsável por
nada, foi sempre “o outro” que fez. Genoíno não fez nada, foi Delúbio. Lula não
fez nada, foi Dilma. Lulinha não disse que ia “tocar fogo” no Brasil – disse
que ia “mandar tocar fogo no Brasil”. Como em antiga paródia do
Casseta e Planeta, existe “gente que faz” e “gente que manda fazer”. Esse é o
caso do PT – nunca faz nada. Só manda o capanga fazer.
Em quarto lugar, e talvez mais importante
que tudo, escancara o absoluto desprezo, desinteresse e desrespeito do
lulopetismo pelo Brasil. Como sempre foi evidente pelo comportamento petista,
apesar do seu discurso pelo povo e outras cascatas, o Brasil não importa. Pode
pegar fogo. Ou descer ao mar com a lama da Samarco. O Brasil não importa. Só
importa o PT. Só importa o butim da pirataria. Só importa meter a mão no doce
quando ninguém está olhando e sair correndo enquanto ninguém percebe. O Brasil
pode pegar fogo que Lulinha não está nem aí.
Por fim, a bravata revela ainda um humorismo
involuntário: quando defende seu garoto com os argumentos mais estapafúrdios,
Lula faz de Lulinha um autêntico “filhinho de papai”, inocente e inalcançável. Ao
tomar atitude idêntica, Lulinha faz de Lula um autêntico “papai de filhinho”.
Tudo isso é revelado pela fala do menino
que tem “tino para os negócios”.
Já abordei, em um artigo intitulado “A
confissão de Lula” (http://quatroasas.blogspot.com/2015/10/a-confissao-de-lula.html),
o quanto o desconhecimento da linguagem, por falta de estudo mesmo, nos faz
cair em armadilhas retóricas, pois o cara não se dá conta do que está falando. É
o caso mais uma vez. É, de novo, a atualidade de Viriato Corrêa: “o ignorante, por mais esperto que seja,
nunca faz nada direito”.
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