sábado, 19 de dezembro de 2015

VINTE E UM ANOS NO DEGASE

por Isabella Reinert

Vinte e um anos. Da perplexidade inicial pouco restou.

Ao entrar para o Degase, o contato com os adolescentes infratores foi a confirmação da miséria que há muito nos assola. Que espécie de sociedade produz tanto desamparo? Havia entre os profissionais recém-chegados do concurso uma vontade de realizar um bom trabalho, e em alguns casos, de transformar aquele precário estado de coisas. Os primeiros embates, naturalmente, aconteceram entre os trabalhadores remanescentes das instituições que atuavam por anos com uma cultura consolidada no antigo Código de Menores, e os animados concursados inspirados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Como qualquer outro lugar onde há privação de liberdade, o exercício da força e seu abuso são uma constante.

Havia a esperança de que o ECA seria assimilado com o tempo, e naquele momento ele tinha apenas quatro anos. Uma lei muito jovem, que mudava paradigmas, com os desafios de ser implantada, ainda mais em um país onde as leis “pegam” ou não.

Este conflito persiste até hoje, vinte e um anos depois, com algumas mudanças na parte física das unidades, mas quase nada na estrutura do atendimento.

Exatamente agora, dentro do ônibus, indo para um Seminário organizado pelo Degase, vejo pela janela uma ação policial. Estão fortemente armados e conduzem um homem jovem para uma viatura. Inevitável pensar que este tipo de coisa não causa surpresa ou apreensão. Passageiros entram no ônibus, riem ao passar pela roleta e encontrarem um lugar para sentar. É mais um dia igual a tantos. Se as manifestações de violência são frequentes, banalizam-se. Se suportamos até agora, podemos prosseguir, afinal nossa capacidade de acomodação é ilimitada.

Mais viaturas ao longo do caminho, e a possibilidade de algo estar acontecendo inquieta.

A poluição da Baía de Guanabara é extrema, o mau cheiro invade o ar. A corrupção domina as manchetes, e exala o mesmo odor podre. Tudo faz sentido. O que se deduz é terrivelmente coerente.  Os resultados medíocres na recuperação de jovens infratores incomodam aos profissionais que acreditavam em suas ações, não ao Estado que enseja e patrocina a miséria. Os dividendos da pobreza são desejáveis, rendem discursos inflamados, subsídios eternos e um porvir sem cor.

Vinte e um anos. Para mim, tantos. Para nós, tão pouco.

Isabella Reinert Thomé

Dezembro de 2015

Isabella Reinert Thomé é professora, cantora, atriz e perfumista. Concursada pelo Município e pelo Estado do Rio de Janeiro, trabalhahá 21 anos como Professora de Artes Cênicas e de Perfumaria do DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativas, antiga FEBEM).

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