http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-que-se-arrasta,10000000191
O autor critica a ação preventiva da polícia carioca contra os arrastões nas praias, comparando-a a ações do tempo da Abolição, e justifica o arrastão como manifestação legítima das comunidades "excluídas".
O texto abaixo é minha resposta a este artigo:
A DEFESA DO BANDITISMO DISFARÇADA DE CRÍTICA
SOCIAL
Fernando Lomardo
“Ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de
perdão”. (Ditado popular).
Parece ser esse, em suma, o “ensinamento”
que o sociólogo José de Souza Martins pretende nos transmitir em seu artigo
publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 03 de outubro de 2015. Os menores
que praticam arrastão nas praias do Rio têm o direito de roubar, pois a
sociedade – melhor dizendo, a “elite” – roubou deles o acesso a um lugar ou a um
“pertencimento” (conceito acadêmico de bolso, mais ou menos recente e que
justifica qualquer distorção em favor de supostos direitos sociais).
A princípio, o texto pode parecer despeito
de paulistano. O simples uso da palavra “periferia” escancara um certo
desconhecimento da vida no Rio, já que aqui a favela está geograficamente
entranhada em toda a cidade, inclusive na supostamente glamourosa Zona Sul, e a
palavra ”periferia” pouco se faz presente no vocabulário carioca.
Mas não nos enganemos. É muito pouco
atribuir as mirabolantes distorções do artigo a uma simples “rivalidade”,
responsável por pérolas como “a praia é um faz-de-conta”. Não. Muito pelo
contrário, o texto do senhor Martins é bem cuidadosamente articulado através de
clichês socio-econômicos cujo objetivo é colocar-se em defesa de supostos
excluídos e justificar ações, programas e estudos, na esfera pública e privada,
que acabam movimentando milhões em reais, anualmente.
A opção pelo conceito de “ostentação” para
ilustrar o comportamento dos banhistas, ricos ou pobres, mostra o quanto o
autor está na moda. Penso mesmo que ele deveria, ao invés de escrever um
artigo, compor um funk carioca. Antenado com a atualidade, lança mão de todos
os lugares-comuns que o discurso politicamente correto (inclua-se aí mídia,
políticos e acadêmicos) tem disparado em sua cruzada contra o “preconceito”.
A comparação com a Lei de Repressão à
Vadiagem é mais frágil que um cubo de gelo largado no sol. Não existia, na
época da Abolição, nada remotamente comparável à violência urbana hoje presente
nas metrópoles brasileiras (e gradativamente migrando para cidades menores,
como resultado da repressão a esses pobres excluídos que são obrigados a roubar
e matar). Autores como Nabuco já haviam prevenido sobre o “14 de maio” (o
período imediatamente posterior à abolição), antevendo que seria flagrante a
falta de opção dos ex-escravos. Os dois
quadros sociais são tão semelhantes entre si quanto uma banana e um computador,
assim como as ações neles contidas: a detenção, efetivamente injusta, de um
sujeito que não está fazendo absolutamente nada (em 1888) e a ação preventiva
contra grupos que efetivamente se preparam para roubar, agredir e, conforme o
caso, matar (em 2015, ou 1992, como bem ilustrou o artigo de Mario Vitor
Rodrigues publicado no Blog do Noblat).
Torna-se inevitável citar um pensador
irlandês, o que vai jogar mais lenha na fogueira. Afinal de contas, Oscar Wilde
era branco, aristocrático e europeu, ou seja, o típico exemplar de uma Elite
Colonialista Imperialista Opressora Responsável Pela Desigualdade Social Dos
Países Do Terceiro Mundo Secularmente Explorados Pelo Invasor Estrangeiro, de
acordo com o Dicionário Nacional de Clichês Acadêmicos. Em contrapartida, era
homo-erótico, o que talvez lhe assegure um lugarzinho na última fila dos
esquerdistas de botequim.
A citação é: “Só os superficiais não julgam pelas aparências”. Tradução:
as aparências não enganam. Não há grande dificuldade de diferenciar
bandidinhos menores de idade de um rapaz comum que está apenas indo para a
praia. Bandidinhos andam em grandes bandos, como esclarece a etimologia
(bandido = membro de bando), pulam roletas de ônibus ou entram pela janela,
ameaçam motoristas, cobradores e passageiros, cantam proibidões em altos brados,
propagando crimes como “derrubei o avião” (helicóptero da polícia), “vou meter
o três-oitão” (revólver calibre 38), “na favela vai morrer” (o policial ou o
cidadão), entre outras ações de óbvia manifestação de ódio, discriminação e
violência.
Não é fato que não possuem sinais de
pertencimento. Possuem e muitos, na própria pele. Escarificações à base de
canivetes ou cacos de vidro. “Na pele dura mais”, disse um interno de
instituição socio-educativa a uma professora. E apontam o pertencimento pelo
qual optaram: siglas como CV ou ADA, indicativas de grupos criminosos contados
entre os mais perigosos e violentos do mundo.
À “cerca invisível”, ao “bloqueio simbólico”
e outras facilidades retóricas pretensiosas, disfarçadas de análise social, se
contrapõem, avassaladores, o assalto, o roubo e a agressão concretos, bem
visíveis e reais. Uma facada na barriga não é simbólica. Um cordão arrancado,
deixando marcas de sangue no pescoço, não é invisível. Invisível, mesmo
secreto, talvez seja o que move esses acadêmicos de boteco a defenderem
bandidos.
Esse tipinho de discurso sustenta uma
vertente lucrativa da atuação acadêmica, assim como da política: a defesa das chamadas
“políticas afirmativas” e outras ações e iniciativas de “recuperação”, que
movimentam milhões de reais em dinheiro público e privado, através de programas
de governo e de iniciativas de empresas e do Terceiro Setor. Não sei se o autor
do artigo faz parte deste tipo de grupo. Se não faz, talvez esteja louco para
entrar.
Um comentário:
TEXTO CONTUNDENTE, INDEPENDENTE, EM UM UNIVERSO DE REPETIÇÕES, DISTORÇÕES E OPORTUNISMOS PRATICADOS POR QUEM GOSTA DE SER IDENTIFICADO COMO POLITICAMENTE CORRETO.
FALEMOS DA FALÊNCIA DE NOSSAS SOCIEDADES, PROCUREMOS ALTERNATIVAS DE MUDANÇA, SEM A FACILIDADE DO MANEQUEÍSMO, A REVOLTA DE OCASIÃO.
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