domingo, 4 de outubro de 2015

A DEFESA DO BANDITISMO DISFARÇADA DE CRÍTICA SOCIAL - Fernando Lomardo

    O jornal O Estado de São Paulo publicou, em sua edição de 03 de outubro de 2015, um artigo do sociólogo José de Souza Martins, que pode ser acessado no link abaixo:

     http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-que-se-arrasta,10000000191

     O autor critica a ação preventiva da polícia carioca contra os arrastões nas praias, comparando-a a ações do tempo da Abolição, e justifica o arrastão como manifestação legítima das comunidades "excluídas".

     O texto abaixo é minha resposta a este artigo:

A DEFESA DO BANDITISMO DISFARÇADA DE CRÍTICA SOCIAL
Fernando Lomardo

     “Ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão”. (Ditado popular).

     Parece ser esse, em suma, o “ensinamento” que o sociólogo José de Souza Martins pretende nos transmitir em seu artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 03 de outubro de 2015. Os menores que praticam arrastão nas praias do Rio têm o direito de roubar, pois a sociedade – melhor dizendo, a “elite” – roubou deles o acesso a um lugar ou a um “pertencimento” (conceito acadêmico de bolso, mais ou menos recente e que justifica qualquer distorção em favor de supostos direitos sociais).

     A princípio, o texto pode parecer despeito de paulistano. O simples uso da palavra “periferia” escancara um certo desconhecimento da vida no Rio, já que aqui a favela está geograficamente entranhada em toda a cidade, inclusive na supostamente glamourosa Zona Sul, e a palavra ”periferia” pouco se faz presente no vocabulário carioca.

     Mas não nos enganemos. É muito pouco atribuir as mirabolantes distorções do artigo a uma simples “rivalidade”, responsável por pérolas como “a praia é um faz-de-conta”. Não. Muito pelo contrário, o texto do senhor Martins é bem cuidadosamente articulado através de clichês socio-econômicos cujo objetivo é colocar-se em defesa de supostos excluídos e justificar ações, programas e estudos, na esfera pública e privada, que acabam movimentando milhões em reais, anualmente.

     A opção pelo conceito de “ostentação” para ilustrar o comportamento dos banhistas, ricos ou pobres, mostra o quanto o autor está na moda. Penso mesmo que ele deveria, ao invés de escrever um artigo, compor um funk carioca. Antenado com a atualidade, lança mão de todos os lugares-comuns que o discurso politicamente correto (inclua-se aí mídia, políticos e acadêmicos) tem disparado em sua cruzada contra o “preconceito”.

     A comparação com a Lei de Repressão à Vadiagem é mais frágil que um cubo de gelo largado no sol. Não existia, na época da Abolição, nada remotamente comparável à violência urbana hoje presente nas metrópoles brasileiras (e gradativamente migrando para cidades menores, como resultado da repressão a esses pobres excluídos que são obrigados a roubar e matar). Autores como Nabuco já haviam prevenido sobre o “14 de maio” (o período imediatamente posterior à abolição), antevendo que seria flagrante a falta de opção dos ex-escravos.  Os dois quadros sociais são tão semelhantes entre si quanto uma banana e um computador, assim como as ações neles contidas: a detenção, efetivamente injusta, de um sujeito que não está fazendo absolutamente nada (em 1888) e a ação preventiva contra grupos que efetivamente se preparam para roubar, agredir e, conforme o caso, matar (em 2015, ou 1992, como bem ilustrou o artigo de Mario Vitor Rodrigues publicado no Blog do Noblat).

     Torna-se inevitável citar um pensador irlandês, o que vai jogar mais lenha na fogueira. Afinal de contas, Oscar Wilde era branco, aristocrático e europeu, ou seja, o típico exemplar de uma Elite Colonialista Imperialista Opressora Responsável Pela Desigualdade Social Dos Países Do Terceiro Mundo Secularmente Explorados Pelo Invasor Estrangeiro, de acordo com o Dicionário Nacional de Clichês Acadêmicos. Em contrapartida, era homo-erótico, o que talvez lhe assegure um lugarzinho na última fila dos esquerdistas de botequim.

     A citação é: “Só os superficiais não julgam pelas aparências”. Tradução: as aparências não enganam. Não há grande dificuldade de diferenciar bandidinhos menores de idade de um rapaz comum que está apenas indo para a praia. Bandidinhos andam em grandes bandos, como esclarece a etimologia (bandido = membro de bando), pulam roletas de ônibus ou entram pela janela, ameaçam motoristas, cobradores e passageiros, cantam proibidões em altos brados, propagando crimes como “derrubei o avião” (helicóptero da polícia), “vou meter o três-oitão” (revólver calibre 38), “na favela vai morrer” (o policial ou o cidadão), entre outras ações de óbvia manifestação de ódio, discriminação e violência.

     Não é fato que não possuem sinais de pertencimento. Possuem e muitos, na própria pele. Escarificações à base de canivetes ou cacos de vidro. “Na pele dura mais”, disse um interno de instituição socio-educativa a uma professora. E apontam o pertencimento pelo qual optaram: siglas como CV ou ADA, indicativas de grupos criminosos contados entre os mais perigosos e violentos do mundo.

    À “cerca invisível”, ao “bloqueio simbólico” e outras facilidades retóricas pretensiosas, disfarçadas de análise social, se contrapõem, avassaladores, o assalto, o roubo e a agressão concretos, bem visíveis e reais. Uma facada na barriga não é simbólica. Um cordão arrancado, deixando marcas de sangue no pescoço, não é invisível. Invisível, mesmo secreto, talvez seja o que move esses acadêmicos de boteco a defenderem bandidos.


     Esse tipinho de discurso sustenta uma vertente lucrativa da atuação acadêmica, assim como da política: a defesa das chamadas “políticas afirmativas” e outras ações e iniciativas de “recuperação”, que movimentam milhões de reais em dinheiro público e privado, através de programas de governo e de iniciativas de empresas e do Terceiro Setor. Não sei se o autor do artigo faz parte deste tipo de grupo. Se não faz, talvez esteja louco para entrar.

Um comentário:

Isabella Reinert canta disse...

TEXTO CONTUNDENTE, INDEPENDENTE, EM UM UNIVERSO DE REPETIÇÕES, DISTORÇÕES E OPORTUNISMOS PRATICADOS POR QUEM GOSTA DE SER IDENTIFICADO COMO POLITICAMENTE CORRETO.

FALEMOS DA FALÊNCIA DE NOSSAS SOCIEDADES, PROCUREMOS ALTERNATIVAS DE MUDANÇA, SEM A FACILIDADE DO MANEQUEÍSMO, A REVOLTA DE OCASIÃO.