por Fernando Lomardo
Desnecessária, quase nula, a entrevista do
magistrado Marco Aurélio Melo no programa Roda Viva da TV Cultura, nesta 2ª. feira,
19 de outubro de 2015, às 22 h.
Bendita língua portuguesa. Eu disse quase
nula. O advérbio é providencial na medida em que as posições do ministro, se em
absolutamente nada colaboram com o Brasil e com o bem estar da população, ao
menos ilustram a posição do magistrado frente aos graves problemas do país, e
quiçá sirvam de reflexo para compreender seus pares – porque “tomo meus colegas
como a mim mesmo” (sic).
Momentos de singela pureza enterneceram o
espectador. Ao dizer que sabe “conviver com divergências”, o ministro citou o
Fla-Flu caseiro, em que ele é Flamengo e a esposa (também juíza), Fluminense.
Pareceu-me ver margaridas brotando no estúdio da TV Cultura. De fato, é uma
divergência análoga à de forças da ordem pública (como a Polícia Federal, o
Ministério Público Federal e a Justiça Federal do Paraná) lutando contra
decisões encomendadas a ministros nomeados por encomenda.
Não faltaram também momentos de demagogia.
Marco Aurélio Melo gosta de falar em nome do povo e dizer que a crise econômica
tira o sustento, “o pão da mesa”. Mas recusa-se a ver o emperramento do
aparelho jurídico, que envolve morosidade inadmissível da primeira à última
instância do Judiciário - e que tal circunstância, em um país que tem milhões (sim, milhões) de processos na justiça, também tira o pão da mesa, pois, na grande maioria desse processos (muitos deles envolvendo precatórios, recurso imoral do Estado cujo objetivo precípuo é o de prejudicar o cidadão), repito, na maioria desses processos o cidadão, dolosamente prejudicado pela iniciativa privada ou pelo poder público, MORRE sem receber a devida reparação, sim, de ordem pecuniária, na maioria dos casos roubada pela iniciativa privada ou pelo poder público. Direitos adquiridos, benefícios oriundos do justo suor, são diuturnamente vilipendiados por governos irresponsáveis e falaciosos, direitos são adiados ad eternum pelo emperramento jurídico de um aparelho obsoleto e prepotente. Nada disso é mencionado pelo magistrado que supõe falar em nome do povo. Da mesma maneira, recusa-se a comentar as falhas de um Código Penal de
1916 e de um Código Civil de 1941, recusa-se a reconhecer que a Defensoria
Pùblica é uma falácia e recusa-se a reconhecer o favorecimento à impunidade
possibilitado pelos inúmeros recursos de nosso sistema. Compara o Brasil aos
Estados Unidos, talvez desconhecendo que a comparação é uma piada. Afinal, se
os Estados Unidos têm um número bem maior de serial-killers, por outro lado têm
um número infinitamente menor de latrocínios e homicídios culposos, causados
por embriaguez no trânsito, por exemplo – e, principalmente, um número
vergonhosamente (para o Brasil) menor de homicidas respondendo em liberdade,
pelo recurso a fianças ou habeas-corpus.
Em suma, o magistrado não acrescentou nada
que colabore com o andamento proativo da solução dos problemas singulares e
possivelmente inéditos que o Brasil vive hoje, aqui fora, longe dos salões e
das capas do STF. Além de sua sugestão, que ele mesmo classifica de “utópica”,
e que de fato não é mais do que ingênua, de que Dilma, Cunha e Temer renunciem
juntos (?!?!?!?!), o magistrado não apresentou um minúsculo rascunho de solução
para os problemas do Brasil – vale dizer (antes que alguém me corrija, dizendo
que não é função de um juiz do Supremo),
nem mesmo para problemas de ordem especificamente
jurídica, que são seu objeto de trabalho. Não. O ministro estava preocupado apenas com formalidades judiciosas,
como afirmar que Juízes do TRF-4 não são desembargadores. Enfim, preocupado com
questões absolutamente irrelevantes para a população brasileira.
É aqui que o advérbio quase apresenta sua
função. A entrevista do ministro do Supremo só não foi completamente nula
porque permitiu elucidar alguns pontos da atual conjuntura jurídico-política do
país. Permitiu confirmar que o Juiz Federal Sérgio Moro (se compreendermos o
sentido inverso das palavras do ministro Marco Aurélio) está definitivamente no
caminho certo. Permitiu compreender que Sérgio Moro surpreende, intimida e gera
mesmo inveja em outras instâncias do Poder Judiciário. Permitiu entender que,
apesar do esforço do ministro Marco Aurélio em defender seus pares, existe mais
de um peso e medida para o que ocorre no Supremo.
O ministro negou veementemente a hipótese
de que ministros do Supremo possam retribuir a indicação partidária com favores
ao partido. Porém, depois de afirmar que “não se agradece com a capa” (com o
incompreensível assentimento de José Nêumanne Pinto, cujas experiência e
inteligência já deveriam ter convencido do contrário), ficou sem resposta ao
ser interpelado sobre a consulta (irregular, senão ilegal) de Dias Toffoli a
Dilma sobre a relatoria de Gilmar Mendes, em processo que corre no TSE.
Em outro momento, vivas à Freud, cuja
presença espiritual o ministro ignorava. Mas “o inconsciente fala”, nos ensina
o mestre vienense. Depois de ressaltar, por várias vezes, que “tomo os colegas
como a mim mesmo”, (ou seja, sabe que eles têm seriedade idêntica à sua) e que
“trabalha pesado” (o que ninguém duvida), o ministro revelou que “não sou
locutor de assessor” – ou seja, não fico apenas repetindo o que meus assessores
interpretaram para mim. Ocorre que dizer que “não sou locutor de assessor”
significa que alguém o é – e como se tratava de comparações com os colegas do
STF, esses “locutores” lá estão. Quem serão?
É, a entrevista foi quase nula.
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